O silêncio desceu sobre mim como um suave véu de seda transparente, isolando-me do mundo, isolando-me de mim mesmo. Apenas um suave eco me mantinha acordado, sóbrio na minha inadvertida contemplação, e era ele que percutia o meu coração e fazia com que eu conseguisse respirar após o segredo que acabara de espiar.
Duas janelas, duas. E, por uma pequena frincha que elas não podiam cobrir – uma minúscula reentrância pela qual luz vertia com a intensidade de uma manhã fresca – eu vira o mundo, vira beleza proporcional a alma. Uma expressão eloquente, firme e enternecedora, esse espírito que me quebrava só de recordar, só de o lembrar no seu explendor. É impossível recompor-me agora. Isto sou eu; sóbrio e quebrado.
De onde vem esse teu encanto, ó musa? Vejo-te agora uma segunda vez, e pareces-me ainda mais esplêndida que da primeira, passando por mim, de perfil, os teus olhos ligeiramente baixos por entre as tuas pestanas longas. Parece-me que me olhas, mas certamente sonho. Parece-me que os saltos dos teus sapatos – quão belos serão eles? – querem que o meu coração se lhes una na sua incansável canção, que o vermelho que vestes me provoca e desafia a ir ao teu encontro. Parece-me que me podes querer, que me podes ter visto.
Parece-me que te quero. Isto sou eu, ébrio e quebrado. Parece-me que já ofego ao doce aroma do teu cabelo, trazido até mim mesmo através da mácula do fumo e do som. Isto sou eu, ansioso e quebrado. Parece-me que te sentas com a deliberação necessária, com a suavidade necessária, com a doçura necessária.
Isto sou eu, enternecido e quebrado.. Ciúmes e sensualidade. Os olhos como o foco da minha curiosidade, a beleza como o indicador da profundidade do teu ser, as palavras que poderás dizer como o combustível para o fogo egoísta que arde na minha alma insaciável.
Não tens de ser minha, não tens de ser perfeita. Deixa-me consumir-te, apenas, deleitar-me com todos os defeitos assombrosos que mancham o esterco que certamente serás. Vicia-te em mim. Arde em mim. Alimenta-me, mesmo que saibas que jamais te poderás satisfazer com a sensação de me chegares.
Arde em mim; em breve serás cinzas.
Isto sou eu, insatisfeito e insaciável.